quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Carta II

Querido André, na sala de espera, eu vi um menino pousar o olhar no vazio e escorregá-lo até o chão. Fui perseguindo aquele olhar tão triste, e vi como os sapatos dos pacientes se encostavam um no outro, sem desbotar as cores ou desfazer os laços. Olhei ao redor, impaciente, procurando alguma testemunha, mas só se um piano caísse do teto, em acorde menor, para que alguém ouvisse as tristezas daquele menino…
Era preciso mais. Era preciso que Van Gogh saísse de um dos quadros por engano, e também se sentasse ao lado dele, olhando apaixonadamente para o chão. Era preciso que Van Gogh ali estivesse furioso, pincelando as paredes ao nosso redor, até que todos notassem o quanto um par de velhos sapatos podia ser assim, tão belo, quanto os silêncios de um girassol…
E foi nessa hora, ao levantar os olhos, que eu lembrei de você. Os teus sapatos denunciavam o teu andar discreto e os teus gestos silenciosos. Eles chegavam de mansinho, gastos, inaudíveis, pontilhados. Chegavam leves, tão leves: sem assustar os passarinhos.

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