terça-feira, 27 de março de 2012

A Redoma, o Cercado e o Silêncio

Se eu pudesse colocaria uma redoma em volta do amor e nada no mundo poderia tocá-lo. Os problemas e preocupações do dia-a-dia nunca poderiam atingi-lo e nada o perturbaria. O amor seria sempre calmo e leve como as nuvens de algodão.

Se eu pudesse colocaria cercados em volta do amor e nada no mundo se aproximaria dele. Pessoas mal intencionadas não chegariam perto, eu dormiria tranquila sabendo que o amor estava protegido de intrusos ou ladrões que queiram roubá-lo de mim. O amor seria meu e estaria sempre a minha espera.

Se eu pudesse decretaria o silêncio ao redor do amor e ninguém no mundo falaria com ele além de mim. Vozes feias e estranhas jamais perturbariam o amor e ele só ouviria o canto dos pássaros e as vozes mais bonitas do mundo, porque eu pessoalmente as selecionaria. O amor estaria sempre em um ópera moderna e ouviria apenas a mim.

Mas eu não posso e não quero.

Uma redoma impediria que o amor sentisse o vento e o gosto da chuva, ele não veria o sol nem os arco-íris que se formam, não veria as cores e não saberia como é o gosto da liberdade. O amor seria calmo e nunca me surpreenderia, seria dia após dia nuvens de algodão, e eu tão acostumada a tê-las não veria mais desenhos novos e não sonharia com os anjos brincando de pulá-las no céu.

Um cercado impediria que o amor conhecesse novas pessoas e ele não saberia que neste mundo imenso existem milhares delas, boas e más. O amor não saberia distingui-las, seria ludibriado por qualquer uma e talvez não percebesse que em meio as multidões alguém o ama incondicionalmente. O amor precisa de experiências para perceber que uma única pessoa deve bastar para fazê-lo feliz.

O silêncio impediria que o amor ouvisse todas as vozes do mundo. O amor não saberia o que é uma voz bonita ou feia, pois seu conceito dependeria do meu gosto. Assim o amor nunca me ensinaria algo novo, nunca me apresentaria uma nova música e nós não íamos ter uma descoberta só nossa. O amor só conheceria minha voz, como ele poderia saber que a minha voz será aquela que ele quer ouvir mesmo em meio a todas as outras vozes do mundo?

Eu quero que o amor seja livre.

Sem as redomas o amor pode caminhar com seus próprios pés e conhecer o mundo todo. Ele vai ver como o mundo pode ser belo e como pode ser feio, como existe sofrimento e felicidade em todos os lugares. Ele terá novidades sempre e se voltar para mim depois de caminhar, saberei que percebeu que sua felicidade é ao meu lado.

Sem cercado o amor saberá como é saboroso o abraço. Ele abraçará muitas pessoas e terá muitos amigos, aprenderá dia após dias a fazê-los e reconhecê-los e assim terá anjos a sua volta por uma vida inteira. O amor se sentirá pleno e feliz. Em algum momento talvez se decepcione, mas será bom, o amor aprenderá a se reerguer após uma tristeza. Talvez o amor perceba que entre tantos abraços o que mais lhe acolhe é o meu e assim queira sempre me abraçar de volta.

Sem o silêncio o amor saberá como o mundo é barulhento e como esse barulho nos faz sentir inseridos. Com tantos sons, o amor perceberá que nunca estará sozinho, se identificará com músicas e vozes, ouvirá verdades e mentiras. O amor aprenderá que a verdade deve ser dita não pelos lábios, mas sim pelo coração. Talvez o amor descubra que só o meu coração fala com ele, meus lábios adquiriram a função dos beijos. Talvez o amor descubra que minhas palavras são sempre verdade e que um "eu te amo" é tão sagrado quanto uma oração.

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