domingo, 3 de julho de 2011

O carro



O carro. Não é um carro comum. Sim ele tem todos os apetrechos de um carro comum. Bancos. Volante. Som e principalmente o cinto de segurança. Mas este carro em específico tem memória. Juro que tem. Se o carro tivesse ouvidos ouviria lamúruas sobre amores, dúvidas sobre família, conselhos sobre a vida em geral, planos para o futuro profissional e sempre, sempre mesmo ouviria um “babaca” para os motoristas de ônibus.
Neste carro cabe muita gente e cada pessoa que entra nele traz também seus problemas. Se o carro fosse contabilizar o peso dos problemas não andaria nunca. Funcionaria mais como divã do que como qualquer outra coisa. Todo mundo que já sentou naquele banco de carona já teve seus sentimentos desvendados. O que as vezes pode causar problemas. Essa parte em específico não pertence ao carro mas ao dono dele. Esse dono sabe ler expressões faciais, mensagens subtendidas, olhares, levantar de sobrancelhas, choros desesperados mas o pior de tudo, ele sabe ler nossos silêncios.
Se o carro pudesse falar certamente diria que façam o favor de beber menos. “Quando você bebe só chora meu bem”. E você com pena do carro acataria o conselho. Se ele falasse, diria ainda para você parar de complicar a vida e testar as possibilidades sem medo. Você provavelmente acataria com medo que isso fosse uma praga ou maldição.
O carro é sempre um amigo. A gente pode se maquiar feliz com aquele espelho maravilhoso e aquela luz ótima. Mas o melhor de tudo é que ele não repara se você de vez de quando volta para casa aos prantos ou só chorando baixinho. Muito pelo contrário, ele faz questão de aumentar o volume do som ao máximo para que ninguém mais ouça seus soluços. Isso sim é que é companheirismo.
O carro já presenciou ainda alegrias extravasadas e promessas apaixonadas de toda ordem. Embora muitas das promessas tenham sido quebradas depois, ele continua acreditando em tudo que se fala. Acredita genuinamente que todo mundo pode se regenerar.
Ele não liga se você aparece para ele de vestido longo ou de chinelinho. Não liga se você está na mais perfeita paz ou no auge do desequilíbiro, não liga para confissões nem crises de choro. O carro não se importa. Ele apenas quer participar como todo bom amigo.
Porém um dia desses fizemos um teste: trocamos de carro. No início eu me sentí estranha. O hábito queria me fazer acreditar que ao trocar de carro as coisas mudariam. Engano. O carro era outro, mas as pessoas eram as mesmas. Isso me fez crer que talvez a magia estivesse não no carro mas em quem anda nele. Trocamos de carro mais uma vez, voltamos para o antigo... É pode ser que a magia esteja nos passageiros, mas esse carro tem alguma coisa especial e meu bem, quando o mistério é grande demais a gente não pode pedir uma explicação!
Por isso faço um apelo a todo mundo que já teve um amigo desse tipo: não troque nem venda seu amigo. Se não for pela amizade que seja pelo medo de ter seus segredos espalhados ao vento!

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