sábado, 4 de setembro de 2010

Profissão

Está chovendo muito.
Enquanto o mundo parece estar em seu último dia, observo de dentro, protegida, toda essa água cair. Porém, ao mesmo tempo em que estou aqui, me sinto lá fora.
Penso em cada um que foi pego de surpresa, desprevenido, no momento em que voltava ou saía de casa, quando esse temporal começou.
O céu acabou de clarear. Milhões estão lá embaixo. Outros milhões estão molhados e procuram se proteger. Novos milhões nem perceberam que estão enxarcados.
Destes tantos humanos, preocupo-me mais com com alguns. Um motorista de ônibus, por exemplo. Ele está somente fazendo o seu trabalho e não pode parar de fazê-lo - sabe Deus o por quê dele estar ali. Quem sabe de sua vida pessoal? Quem se importa? Ninguém além dele.
Nenhum de nós olha para um motorista de ônibus e se pergunta o que ele está fazendo ali. Está trabalhando, só. Somos todos tão egoístas...
Me imagino sendo um destes trabalhadores em uma noite de tempestade como esta. Estaria eu com medo de alagar ou estaria somente ali, esperando "a chuva passar"?
Enquanto estaria pensando nisso, aqueles outros milhões que foram pegos de surpresa estariam em pontos e esquinas, enxarcados, esperando na chuva por mim. Estes estão expostos ao vento frio e à agua somente porque acreditam que eu chegarei até ali. E eu estou seco. Estou dentro. Estou com medo, talvez.
Neste momento, começo a pensar: Se parar por aqui, posso apenas esperar, parado, essa noite acabar. Se ando em frente com esse ônibus, mesmo na chuva, posso estar chegando a algum lugar aonde encontre outro que esteja ali somente me esperando e que venha a me avistar sorrindo enquanto chego cada vez mais perto. Posso mudar a vida de alguém - e não só a minha - se não temer e andar. Por isso resolvo seguir em frente.
É difícil.
Tem várias poças que mais se parecem com lagos e rios, que mexem com as rodas do veículo e tentam me prender, me impedir de ir adiante. Porém, sou forte. Luto contra cada um desses obstáculos, pois resolvi que, nesta noite, não ficarei parada. Resolvi que nunca ficarei parada. Se não me mexo, nada ganho, nada perco. Se dou um passo, posso perder - mas posso ganhar também.
Nesta vida, não só por hoje em meio a escuridão que me molha, decidi que não importa o que vai acontecer ou o que aconteceu: Preciso me mexer, mudar, criar, seguir. Viver. Sou um motorista na escuridão fazendo meu caminho para casa e lutando até o final para chegar até o local, onde, sob uma claridade, algo estará esperando por mim.

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