terça-feira, 28 de junho de 2011

Merecimento

(...)

Passou o dia pensativa juntando coragem na saliva até encorpar a voz.
Aproveitou o ápice da sua agonia e, num impulso, disse tudo numa sensação só:
“A partir de hoje, não sou mais sua mulher, decidi gostar de outro”.
No início ele riu da ousadia, mas o silêncio que ela fez em seguida preencheu de sinceridade aquela novidade.
“Você ficou maluca, de onde tirou isso?”
“ É que você nunca gostou de mim no grosso mesmo do sentimento...sempre foi essa coisinha aguada e mal-cuidada, água parada esperando doenças...”
“ Mas ninguém decide que vai gostar de outro de repente e, simplesmente, começa a gostar!”
“ Ah, mas eu decidi...Ele vai realizar um sonho que tenho comigo desde menina:
ele disse que vai gostar de mim bem do jeitinho que eu gosto de você.
A diferença, é que eu sei merecer essas coisas...”

Dias e dias

Tem dias que sinto uma saudade incrível de você. Uma saudade dolorosa e profunda que chega do nada e se apodera de mim como uma doença que vai se enraizando. Certo dia eu até sentí o cheiro da sua loção pós-barba entrar pela janela do quarto. Pode ter sido só porque era hora de dormir e isso me lembra você. Das minhas memórias mais antigas tenho você me cobrindo e contando uma história. Essas coisas são difíceis de esquecer sabe?
Tem dias que sinto uma raiva incrível de você. Uma raiva poderosa que me cega os olhos e me faz querer te dizer umas barbaridades. Um dia desses eu até percebí que minhas mãos tremiam de tanta raiva de você. Pode ter sido porque sou descontrolada não? Mas que eu me lembre você me ensinou a não mentir.
Tem dias que sinto uma tristeza incrível por você. Veja bem, por você. Você nunca mais terá minha admiração ou o meu amor do modo como tinha antes. Irrestrito, inegociável, desmedido, inquestionável. Nunca mais o defenderei de qualquer ofensa. Nunca mais acreditarei piamente em você. É triste que você perca o maior amor e a maior certeza que já possuiu.
Tem dias que me sinto magoada com você. Por não particpar mais da minha vida. Por não saber que participo de movimentos políticos inspirada em suas participações anteriores. Por não saber que já tive clientes e me parecia de verdade com uma advogada. Por não saber que aprendi a resolver problemas com lógica e rapidamente. Por não saber que aprendí a agir sob pressão. Você nem sabe se ando namorando firme ou se ando só enrrolando como você mesmo dizia. Você não sabe.
Tem dias que me sinto decepcionada com nós dois. Das tantas vezes que tentei reatar os laços um de nós agiu errado. Foi imaturo da nossa parte brigar tão feio? Eu não sei. Só sei que hoje olhando o passando me vejo não podendo julgar tanto. Eu também já agi por impulssos. Eu também já escondí segredos.
Tem dias que não me lembro de você. Esses dias são raros. Eu realmente não lembro, mas tenho a sensação que estou esquecendo uma coisa muito importante, como um fogão ligado, um chuveiro aberto ou o carro ligado. Nestes dias eu sinto um vazio que não sei explicar e só é explicado quando lembro de você em outro dia.
Tem dias que eu lembro de você. Nestes dias eu choro. Eu lembro de você construindo minha casinha de boneca, do jeito que eu queria. Lembro de você me deixar tomar banho de praia vestida. Lembro de você nas minhas apresentações da escola. Lembro de você me ensinando a rezar. Lembro de você penteando meus cabelos. Lembro de você me levando para comprar roupas. Lembro de você me levando para comprar quantos livros eu quisesse. Lembro de você me levando ao cinema. Lembro de você me perguntando sobre namorados. Eu lembro.
Tem dias que eu só sinto amor por você. E Pai, nestes dias eu sofro mais. Porque só amar você me faz pensar que é o bastante, mas no fim do dia quando mesmo amando não o tenho mais ao meu lado ou não consigo perdoá-lo aí sim, eu me sinto incapaz de ser gente. Mesmo assim eu agradeço por amá-lo, porque chegará uma dia, e você também sabe que chegará, que eu não sentirei saudade, raiva, tristeza, mágoa, decepção, vazio, lembranças, amor. Chegará o dia em que só haverá indiferença. Quando este dia chegar nada mais irá adiantar. E você sabe disso. É uma pena que termine assim e eu sinto muito, deculpe por isso mas não tenho como evitar!

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Ciranda

Essa cirandinha que eu resolví dançar com você está ficando cada dia mais divertida. Enquanto eu tento me sentar no banco e me recuso a participar da brincadeira você me puxa pela mão e quer dançar a noite inteira. Se eu me escondo em minha casa ou brinco de ciranda com outras pessoas você me puxa de novo pela mão e não me deixa mais. Você que apareceu agora e nem sabe das tantas outras cirandas. Você que só me traz boas risadas e que eu já gosto tanto de olhar.
A ciranda gira rápida e na troca dos pares você não me deixa trocar de par. E não deixe mesmo que o acaso é perigoso e a incerteza não me seduz. Agora que minha mão procura a sua e eu já conheço os seus sinais essa ciranda pode entrar noite adentro e eu nem me importo mais. Garotinha boba que já foi deixada de fora da brincadeira agora é Rainha que excluiu quem não lhe agrada. O Rei em sua bondade convida todo mundo, esquecendo que a Rainha é temperamental.
Então eu digo: Pode convidar a corte inteira meu Rei mas se o Bobo da Corte não arrancar um sorriso meu não vá estranhar. É que a ciranda é mais importante e eu gosto mesmo é de dançar, não estranhe também se no meio da roda eu lhe largar, é que a ciranda exige que de vez em quando a gente troque de par!

P.S.: Eu já disse uma vez e me sinto obrigada a repetir, a ciranda cirandinha rege a vida das pessoas!
P.S.2: Esta é a terceira ciranda que escrevo, mas prevejo muitas outras.

domingo, 26 de junho de 2011

Para Você

Eu tenho um castelo. É um daqueles grandes castelos de pedra parecidos com os castelos bonitos dos campos da Irlanda. Meu castelo de pedras é grande, bonito e seguro. Além do castelo existe uma muralha que o separa do mundo externo. Entre a muralha e o castelo existe o jardim mais lindo que o mundo já viu. O jardim também é meu. Este castelo, este jardim, esta muralha são os meus tesouros. A minha fortaleza. São uma amizade.
Ela foi construída sem que fosse percebida, dia a dia, minuto a minuto nós depositamos pedrinhas que amontoadas foram formando paredes, e pouco a pouco construiram o castelo mais lindo que já existiu. Um dia eu depositei uma pedrinha, no outro você depositou outra pedrinha. A cada risada, a cada palavra dita, a cada olhar de cumplicidade, a cada felicidade, a cada conquista, a cada tristeza, a cada lágrima, a cada consolo e a cada preocupação foram depositadas pedras.
Um dia depositamos rochas grandes de afinidade que formaram o alicerce do nosso castelo, em outro pedrinhas para nossas muitas risadas. Foi uma construção realmente fácil, parece mais que temos alma de empreiteiros, nós nem percebemos e em um belo dia lá estava aquela obra espetacular construída por rochas, cascalhos e pedrinhas. Nenhum engenheiro ou arquiteto fariam um castelo tão lindo como dois advogados.
Então decidimos decorar o castelo, e pouco a pouco fomos colocando nossos relicários, precisávamos de relicários em comum pois o castelo não era meu, o castelo não era seu, era nosso. Então colocamos nosso amor pelos amigos em comum. Na verdade colocamos nosso amor por todo e qualquer amigo, todos seriam bem vindos. Colocamos nossa fé na mudança. Colocamos nossa fé em um partido. Nosso desejo de justiça. Nossa revolta contra injustiças. Nosso sonho de um mundo melhor. Colocamos nossos sonhos. Nossa música para embalar as noites. Nossa alegria ao ouvir nosso samba, nosso chorinho, nossa bossa e porque não nossos Beatles? Colocamos tudo o que realmente nos importava. E no fim das contas uma decoração que podia ter ficado caótica ficou realmente linda, ficou chic sabe? E você sabe que adoro coisas chics!
Outro dia qualquer nosso jardim foi plantado, dia qualquer não. O jardim começou a ser plantado por você em uma segunda-feira, mas eu só soube quando acordei no outro dia. Eu acordei e ví um jardim lindo. Eu te liguei para brigar por ter começado sem mim, mas te liguei mais para agradecer por ter começado. Nós fomos plantando esse jardim todos os dias e em uma sexta-feira foi decidido que cabia a mim regá-lo. Eu o reguei com minhas lágrimas e foram tantas e tantas, tão sofridas e dolorosas que como resultado o jardim ficou lindo e muito florido. Lágrimas de amor fazem as flores ficarem mais bonitas. Nenhum jardineiro faria um jardim tão bonito como dois advogados.
Sem que fosse percebido nós construímos a muralha. Não me lembro de ter depositado nenhuma pedra nela, aposto que você também não lembra de ter colocado aquela porta de aço. Não lembro de ter plantado os canteiros de flores ao pé da muralha, nem muito menos como aquele pé de maracujá foi ficar tão bonito crescendo muralha acima. Eu realmente não me lembro.
Só depois eu percebi que bem melhor que a construção do castelo ou ter plantado o jardim foi a construção da muralha. A muralha é toda a confiança e fé que temos um no outro. É toda a certeza que podemos contar e confiar plenamente um no outro. A muralha é simplesmente a certeza. Sem parecer piegas e sem parecer clichê a muralha é saber que tenho um amigo que me ama ao ponto de ficar feliz pela minha felicidade e triste pela minha tristeza. Que está comigo nos lugares legais e se diverte comigo em qualquer lugar, sofisticado ou no meio de uma rua, mas que segura minha mão e cuida de mim quando estou realmente triste. Que me adimira sem que eu mereça e que acredita em mim quando nem eu mesma acredito. A muralha é a certeza que posso ficar a vontade e ser eu mesma, que não preciso ser ninguém além de mim. Com meus muitos defeitos e minhas qualidades, mesmo assim serei amada. Meu bem, isso é tudo para uma pessoa sabe?
A muralha não é a escolha de uma amizade, é o céu, Gaia e o Universo querendo que essa amizade exista. Não é um amizade, é uma irmandade, é uma família. É um porto seguro para onde se corre quando se tem medo, para onde se corre quando procuramos abrigo, quando queremos um conselho, quando queremos ser ouvidos ou quando queremos só passar o tempo conversando bobagens. Na verdade não existem bobagens entre amigos, tudo é tesouro, tudo é relicário, tudo é quimera.
Você é o meu presente, meu amigo, meu irmão, minha quimera, sonho ou realidade, besta ou fera. Só quimera.
06/05/11

P.S.: A muralha continua crescendo infinitamente. O jardim continua sendo regado e só fica bonito quando regado com lágrimas. O castelo continua sendo decorado e os moradores não se importam se você quiser participar da decoração!

sábado, 18 de junho de 2011

Encontro



O primeiro encontro sempre tem um gostinho doce, uma pitada de nervosismo e aquelas borboletas voando no estômago. Tem aquele medo que o outro não nos ache bonita o suficiente, bacana o suficiente e inteligente o suficiente. Tem o dilema do que vestir, você quer estar bonita sem parecer que se preocupou muito com isso. E claro que se vocês forem sair para jantar você vai acabar comendo quase nada. Se forem beber, vai beber quase nada. Em determinado momento da noite você vai olhar para ele e tentar se imaginar daqui a alguns anos ao seu lado. Se conseguir isso, vai aceitar um segundo encontro.
Eu nem nervosa estava, estava mesmo era atrasada quando você ligou para avisar que estava chegando. Em uma semana que somados todos os dias eu tinha dormido 8 horas e minhas olheiras eram tão profundas ficar pelo menos bonitinha seria um grande feito. Mas, eu só tive tempo de tomar banho, vestir o primeiro vestidinho que ví, fazer uma maquiagem que escondesse pelo menos parte das olheiras e você já estava me esperando na porta de casa. A minha maior expectativa era que o jantar fosse gostoso porque eu realmente tinha fome.
Quando eu digo fome é fome mesmo, não sou o tipo de garota que se intimida na hora do jantar. Eu estava exausta e faminta. E veja só, quando o saio na porta você me recebe como quem recebe uma rainha e abre a porta do carro para mim. Minha inércia e comodismo não foram suficientes para não me fazer enxergar isso, com esse simples gesto você já ganhou minha atenção. No carro a música que tocava era uma das minhas preferidas do Los Hermanos, você ganhou pontos.
Decidir o restaurante foi divertido e os seus gestos enfáticos explicando as coisas me fizeram rir. Ser conduzida até a mesa foi confortável e quando digo confortável não quer dizer cômodo, mas que me senti a vontade com sua mão na minha. Eu tenho uma teoria que muito mais que o primeiro beijo o encaixe de mãos têm que ser de imediato. Da última vez eu não tinha segurado as suas.
Beber vinho com você foi ótimo, a gente parecia tão adultos. Mas a melhor parte foi me sentir mais que paquerada, me sentir admirada fez com que você me despertasse um interesse genuíno e meu bem eu sou de gêmeos então isso é um feito histórico. Eu prestei atenção a cada palavra que você falava, a cada gesto que eu já estava aprendendo a gostar, a música que tocava, ao jeito que você mexia no cabelo, o modo como você inclinava a cabeça para me olhar. Eu prestei atenção.
A noite passou rápida entre uma risada e outra e todo e qualquer assunto foi discutido, de política a desenho animado e você me fez rir de verdade, aquela minha risada gostosa e irrestrita que pouca gente conhece. E no fim da noite quando minha mão e a sua se procuraram ao mesmo tempo eu achei poético. Percebí que foi bom olhar tanto para você, tentei gravar suas expressões faciais, tentei desvendar seu levantar de sobrancelhas. No fim de tudo eu queria saber tudo sobre você ou não saber nada, mas queria ficar perto.
Não era a hora de se despedir, então mais drinks foram bebidos num bar pequeno e escuro. Lugar estratégico para quem está enamorado. Mais risadas foram dadas, rir com você parece que será nosso maior relicário. Despida de expectativas e em paz voltei para casa. Feliz comigo por me sentir capaz de ter encontros tão singelos e leves me fez lembrar de você. E depois de meses complicados, semanas de provas sem dormir e dias estressantes, dormir uma noite inteira como um anjo e acordar com uma mensagem de bom dia me fez mais bonita.
Bom dia para você também!

"De você sei quase nada
Pra onde vai ou porque veio
Nem mesmo sei
Qual é a parte da tua estrada
No meu caminho"

domingo, 12 de junho de 2011

Feliz Aniversário

"Minha querida, amada e linda Marilinha, parabéns!
Hoje é o seu aniversário e todos os anos escrevo uma cartinha para você. Sei que você já sabe qual é o conteúdo, mas como bem disse na cartinha que me escreveu, sei também que você espera receber. Esse ano a responsabilidade é maior porque não sei se conseguirei escrever tão bem quanto você. Tentarei explicar porque as cartas são semelhantes é simples, elas expressam o imenso amor que sinto por você e o meu desejo que seja feliz. Falando em felicidade gostaria de refletir sobre o que é mesmo esse sentimento tão abstrato que ninguém sabe definir ou apontar os caminhos corretos para conseguir alcançar. Na verdade a felicidade para alguns é muito diferente do que significa para outros. Eu por exemplo sou muito feliz porque aprendi que sou responsável pela minha felicidade e que ela está dentro de mim. Aprendi que para ser feliz é preciso em primeiro lugar ter Deus no coração. Esse ser supremo é o escudo que protege da tristeza e que promove a paz no coração. Em segundo lugar é preciso ter duas filhas muito especiais como as que ele me deu e que são o sentido e a razão da minha vida e depois é só caminhar com retidão e amor. Os bens materiais não podem ser a razão da nossa exixtência. Devemos lutar por uma sobrevivência digna, qualidade de vida, e conforto porque afinal Deus não deseja que seus filhos padeçam sobre a terra. Porém a ambição desenfreada leva a abismos.
Nosso tempo na terra é pequeno para deixarmos um grande legado, mas o importante é que o legado deixado seja marcado por sabedoria, bondade, trabalho, inteligência, conhecimento, contribuições para uma sociedade melhor e sobretudo amor. A família é a instituição mais importante que conheço e a união deve ser fortalecida em meio a desavenças próprias da fraqueza do ser humano. É preciso lapidar o espírito, purificar a alma e caminhar passo a passo para o aperfeiçoamento que leva a verdadeira felicidade. Doravante seu caminho é cada vez mais independente, porém os valores construídos na base da nossa família jamais poderão ser esquecidos. Eles são a marca mais forte do seu caráter mesmo que você não se dê conta disso. Somos rocha e alicerce uma da outra e formamos nessa fase das nossas vidas uma corrente de apenas três elos (eu, você e sua irmã) mas essa corrente é tão forte que nenhuma tempestade poderá destruir, pois foi solidificada pela fé, confiança, amor e muita luta por uma vida de paz e dignidade.
Não temo pelo seu futuro porque vejo muita luz no seu caminho... Lembre-se que você é forte, inteligente, bonita e privilegiada. Seja boa, não deisita dos seus sonhos, desprenda-se do orgulho soberbo, faça o exercício do perdão e peça a Deus piedade para aqueles que ferem seu coração e colocam pedras no seu caminho. Porém não pare diante das pedras, retire-as e não jogue em ninguém, apenas siga em frente porque a lei do retorno é verdadeira e somente quem semeia flores poderá colhê-las.
A humanidade é cheia de defeitos e as vezes pensamos que é melhor desistir do ser humano, mas eu lhe afirmo, minha querida, que é preciso teimar em ajudar as pessoas a se tornarem melhores. Essa é uma tarefa para pessoas inteligentes e corações corajosos. Poderia continuar discorrendo por muitas páginas sobre coisas importantes que uma mãe deve dizer a uma filha, mas sei que você já sabe o suficiente para fazer boas escolhas e prefiro concluir dizendo que a vida é muito bela, boa, que vale a pena viver, sorrir, amar e até chorar algumas vezes. Sua avó Luzia dizia que chorar fortalece os pulmões.
Lembre-se: Não há caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho.
Eu te amo muito... Estarei sempre com você.
Feliz Aniversário!
Sua Mãe"
26/05/11

P.S.: É pessoal mas tão bonito que não posso guardar só pra mim!

Adeus

Acorda. O sol entra pela janela do quarto e ela tenta se orientar. Onde está? Olha para o lado e vê o relógio-despertador já tão familiar. Se vira e vê ele. Dormindo profundamente, uma mão em baixo do rosto o outro braço por cima da cintura dela. Acha a imagem singela. Tenta sair da cama sem lhe acordar. Ainda são 6:47 de um sábado pela manhã. É dia de dormir até tarde.
Sai da cama tentando se esgueirar para que ele não desperte, anda nas pontas dos pés até o banheiro. Se olha no espelho. Não se reconhece mais, seu cabelo está desgrenhado, seus olhos vermelhos e inchados. Chorou na noite anteiror. Tira o pijama e entra no box para tomar banho. A água molha o seu rosto e ela fecha os olhos para lembrar da noite anteiror, o que vem dando errado? Deixa a água percorrer o seu corpo como se lhe fizesse uma massagem.
Pega seu shampoo, ele está quase no final, parece que pressente o que irá acontecer. Lava seus cabelos e sente o cheiro tão familiar de frutas vermelhas. O cheiro que ele gosta tanto. Passa condicionador nos cabelos. Começa a penteá-los com os dedos, seus cabelos tão sedosos colam molhados em suas costas. Estão grandes, não seria melhor cortá-los na altura do queixo? Talvez daqui a alguns anos.
O sol entra pela janela do banheiro, o céu está lindo. Se pega rindo pensando que se ele tivesse vizinhos eles poderiam vê-la nua agora. Passa sabonete em seu corpo, esse cheiro familiar dele irá acompanhá-la? Se vê no reflexo do boxe. Seu corpo nú tão magro e branco. Seus cabelos cobrindo os seios. A curva da sua cintura. Ele não a verá mais.
Sai do boxe e se seca. Penteia os cabelos e passa o perfume dele em seus pulsos, se sente roubando um pouquinho dele. Se sente levando ele. Levará seu perfume consigo e lembrará deste dia quando ele começar a odiá-la. Vai para o quarto nas pontas dos pés. Seu sono é tão pesado quanto parece? Entra no closet e pega uma calça jeans muito velha, não tem nenhuma blusa, por isso pega uma camisa dele. Pega a camisa preferida dele. Desculpa-se por isso também. Se veste, calça seus sapatos. Precisa lhe dar o adeus.
Para ao seu lado na cama, senta. Tem vontade de ficar. Tem vontade de ir embora. O que foi que aconteceu com eles? Alisa seus cabelos. Beija seu rosto. Sente sua barba crescendo. Ele nem acorda. Resmunga alguma coisa no sono. Beija seus lábios quentes, mas para ele é como se fosse apenas um vento forte passando. Ele não acorda.
Sai do quarto, olha ele da porta, ele não verá nem mesmo ela indo embora, será como se eles dois nunca tivessem existido. Pega sua bolsa e suas chaves na sala. Sente que é a última vez que fará este ritual. Antes de ir embora deixa seu último bilhete de amor.
“Est-ce que tu sais à quel point je t’aime?”
14/06/08

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Equilíbrio

Equilíbrio. Equilíbrio emocional, espiritual e profissional. A luta constante para alcançar um estágio em que os problemas grandes e pequenos sejam irrelevantes, a luta para que uma dor ou um amor não consigam desestabilizar o controle emocional adquirido ao longo de anos de treinamento, a luta para que o plano de vida acadêmica e profissional seja cumprido.
Traçar um modo de vida em que o equilíbrio seja o maestro é fácil. Difícil é viver como um soldado que obedece a seu general, é viver com os nervos de aço, é viver no limiar. Para alcançar o estágio supremo do equilíbrio é necessário um esforço desumano.
Desumano. A friza de quem não sente, de quem não pensa e quem só segue. E quem quer viver assim? No limiar entre a sanidade e a loucura, entre o certo e o errado, entre o querer e o não poder. Porém há diversas formas de viver o equilíbrio como gente, e meu bem, quando se descobre que pode ser divertido viver no equilíbrio a vida ganha outro sabor.
Um mestre que tive costumava dizer que se vive em cima de uma linha, de um lado é a morte e do outro é a morte. Imagine a emoção de ser equilibrista e andar nessa linha que é a vida até cair em um dos lados?
Eu digo que a vida é andar na corda bamba, mas na verdade não é uma corda, é arame farpado... E sabe o que acontece? Você tem que andar nas postas dos pés! E o que é andar nas pontas dos pés para quem é bailarina?

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Marcas

Marcas. O que são elas? As marcas que meu pai fazia na parede para medir meu crescimento. As marcas que eu fazia no caderno para contabilizar quantas vezes tinha ganhado no bafo dos meus amigos. As marcas nos meus pés das sapatilhas de ballet. As marcas em minhas mãos depois de escalar a árvore da minha casa. As marcas nos meus joelhos das quedas de quando estava aprendendo a andar de patins. As marcas no meu queixo de uma queda quando corria no tica-tica.
Marcas no meu diário de quantas vezes o garoto que eu gostava sorriu para mim. As marcas no meu rosto colorido de vermelho depois do primeiro beijo. As marcas nos meus cabelos depois de soltos após aquela apresentação. As marcas na minha casa depois que deixamos o meu pai. As marcas no rosto da minha mãe depois que tudo mudou. As marcas em mim quando comecei a crescer de verdade.
Marcas na minha carteira depois daquela viagem que me faliu. Marcas nas minhas fotografias depois que todos os meus amigos compartilharam minhas fotos entre eles. Marcas na minha memória do tão famoso corredor da biblioteca. Marcas de um beijo roubado na quadra de futebol. Marcas das marcas no meu rosto depois de acordar ao seu lado. Marcas das lágrimas derramadas pelo copinho descartável. Marcas dos risos nas tardes em que ficava tomando sorvete na escola.
Marcas de quando comecei a me preparar para a vida adulta. Marcas das horas sem dormir estudando para o vestibular. Marcas das lágrimas derramadas pelo estresse. Marcas da vergonha de ser cobaia na aula do cursinho de química. Marcas do carinho dos professores que eu adimirava. Marcas do dia do resultado.
Marcas do início da vida acadêmica. Marcas do reencontro com os amigos. Marcas dos namoros conturbados que acabaram mal. Marcas das saudades que se sente de uma vida descomplicada. Marcas de todos os verões ao sol. Marcas das doenças. Marcas das curas. Marcas de festas infindáveis. Marcas de uma noite de tequilas. Marcas de muitos churrascos. Marcas da graminha ao luar.
Marcas dos muitos amigos que tive e tenho. Marcas de uma vida quem vem sendo bonita. Marcas das mágoas esquecidas. Marcas das pedras no caminho. Marcas depois de plantar as flores. Marcas das lágrimas que já passaram por meu rosto. Marcas dos risos que já dei. Marcas do melhor abraço do mundo. Marcas de uma vida que só começa.
Marcas, porque apagá-las? Se são minha história, minha base, meu relicário. Marcas de tudo que é belo, não necessáriamente feliz, mas belo mesmo assim. Como viver sem um passado. O passado é pormenorizado por alguns, relativizado por outros e desvalorizado pela maioria. Meu passado é um tesouro. É tudo que sou e não sei ser sem saber quem fui. É tudo que preciso para seguir em frente, sem ele eu seria um balão solto voando no ar para estourar nas nuvens e cair ao chão, e o chão seria um precipício sem fim. Devo tudo que sou e quero ser ao meu passado e sim, as minhas marcas. Só minhas.

Roma

Roma. A cidade eterna. De um lado da rua você vê as sorveterias, os restaurantes com suas massas carbonaras maravilhosas e todas as características de uma cidade cosmopolita. Lambretas cruzando a cidade como como libélulas que voam sem destino. Moças bonitas em seus vestidos e sapatilhas andando como quem flutua sobre as calçadas, como se fossem feitas de algodão. Revela-se em seu andar o temperamento passional das italianas.
Do outro lado o Coliseu com seus 2.000 e tantos anos de história, o Templo de Saturno, o Fórum Romano e a Fontana de Trevi. A beleza da antiguidade tão efetiva, conflitando com o novo, o recente e porque não também o belo modo de vida moderno. É quando o velho se torna parte da paisagem e a gente se acostuma com o grandioso no dia-a-dia. Andando pelas ruas ao sol a gente se pergunta como eles se acostumam a viver na cidade eterna, como não sentem a magia dos grandes monumentos, como não se espantam?
Reparei que nenhum dos monumentos é cercado. Eles estão abertos ao ar livre, não têm muros, muralhas, grades e nenhuma forma de proteção contra a aproximação de quem quer que seja. Eles estão abertos. Dos séculos atrás em que foram construídos aos dias de hoje nunca tiveram grades para que fossem protegidos. Eles estão livres... Não é estranho? Que a grandiosidade, beleza e eternidade com toda a sua mágica esteja aberta, não seja cercada de nenhuma forma?
De que serviriam os muros se o Coliseu é tão grandioso que seria visto e admiriado mesmo por trás deles? Meu Deus, quem em sã consciência esconderia toda a beleza da Fontada de Trevi? E para que estes monumentos deveriam ser protegidos se devem ser admirados, se as pessoas precisam ter a oportunidade de entrar nessa beleza e carregar essa magia pra a sua vida?
Mas os muros foram criados para a proteção, eu entendo. Não vê a muralha da China? Eu compreendo toda a logística que gira em torno dos sistemas de segurança do Louvre em Paris. Afinal de contas eu sou uma adulta. Sou gente grande, tenho a obrigação de compreender que devemos nos proteger, proteger nosso patrimônio, nossas vidas, quem amamos e porque não nosso coração?
Esse é o ponto.
Essa é a parte fácil, proteger o nosso coração é quase instintivo. Funciona como quem anda no piloto automático, como quem coloca a mão na frente do passageiro ao lado no carro num freio brusco. É como a proteção do instinto materno. Proteger o coração é tão natural como respirar e as pessoas têm que compreender isso. É natural. É fácil, é se cercar de muralhas e esconder os sentimentos. Camuflar os sentimentos. O grande problema disso é que determinadas pessoas se protegem tão bem e se escondem tão bem que acabam virando um grande labirinto.
Você já deve ter ouvido falar no labirinto da mitologia grega, nele existe o Minotauro que recebe jovens para devorá-las. O minotauro é um monstro, metade homem metade touro. É morador permanente do labiritno. Assim como os labirintos, as pessoas camufladoras de sentimentos têm o Minotauro dentro de sí, metade homem metade touro habita o coração delas. Esse é o perigo.
Como não se proteger com muralhas quando se depara com uma pessoa camufladora, uma pessoa labirinto? A reação básica do instinto nos obriga a erguer as grades que não deveriam existir em torno do monumento grandioso que é o nosso coração. O medo nos faz ter a ilusão de que estamos nos protegendo, quando na verdade estamos nos perdendo nos olhos da pessoa labirinto. Só nós mesmos temos a ilusão de que estamos protegidos, quando na verdade o Minotauro à espreita nos espera... Meu bem, você foi devorada e nem viu.
O que é melhor? Se perder nos olhos da pessoa labirinto tendo a certeza que terá um encontro marcado com o Minotauro? Ou ser transparente ao ponto de não conseguir esconder nem mesmo nuances em nossos olhos, e mesmo assim ter seus sentimentos invisíveis a quem mais importa? Sim porque pessoas camufladoras e pessoas labirintos se perdem em sí mesmas. Elas estão mais preocupadas em camuflar o que sentem, em ser labirintos em sí mesmas que esquecem os outros. É como se a pessoa transparente fosse a Medusa e ao olhá-la a pessoa labirinto ficasse cega. Ela não enxerga beleza, não enxerga decepção, mas o pior de tudo ela não enxerga amor.
Então, assim como o Coliseu, O Fórum Romano e a Fontana de Trevi é melhor permanecer sem grades, sem muros, sem muralhas. Permanecer livre, aberta, verdadeira, transparente. Porém a pergunta que me faço e me torna não uma camufladora de sentimentos, não uma uma enganadora, mas um labirinto de sentimentos e análises é: De que me adianta a transparência se sou Medusa? Aos seus olhos me sinto nua e minha multidão é uma só pessoa. Mas como fogo queimei seus olhos e mais parece que queimei também todas as suas percepções. Sou tão transparente que para você sou invisível, o meu striptease em praça pública não lhe atinge.
Se sou Medusa como posso ser também Teseu, o único capaz de matar o Minotauro que há em você? Não tenho grades, muros, muralhas ou armas. Como posso lutar contra você? Com você? Como posso? Pensei em vendar seus olhos para que minha imagem não o cegasse mas mesmo assim você não me veria. Pensei em tantas possibilidades mas em nenhuma delas você me veria. Então pensei em lhe dizer que quando em Roma leia-me ao contrário e então você me verá. Amor.