sábado, 17 de julho de 2010

Falando com a saudade

A saudade sentou na minha sala
- Você vai ficar ai? - perguntei
E sem levantar os olhos do chão ela disse que sim.
- Gostaria de um café? Acabei de passar.
- A Saudade não toma café - respondeu ela com uma voz cheia de amargura.
- Oh, desculpe, só estava tentando fazer amizade já que você está vivendo tanto comigo - me expliquei
- A Saudade não é amiga de ninguém - pronunciou-se novamente a voz amarga.
Sentei-me ao lado dela, e senti frio
- Você é tão fria - comentei
- Sou sim, a saudade tem o corpo frio e o coração, gelado.
- Porque você é assim? - perguntei
- Vocês me fazem ser assim, eu sou toda a saudade do mundo, todo o aperto no coração que as pessoas sentem quando estão longe de alguém querido, todas as noites de solidão, todas as lágrimas que molham fotografias e travesseiros... eu guardo tudo isso em mim.
- Deve ser triste ser a saudade, pois somente senti-la já é terrível.
Imaginei como alguém pode conviver com aquilo, cinco minutos a seu lado e eu já me sentia vazia e tremia de frio.
- Eu sei o que você está pensando - disse ela - só tem um jeito de me tirar daqui.
- E como é? - perguntei curiosa
- É me matando. - Disse ela sem nem mesmo mudar sua expressão de indiferença.



(Texto antigo, antigo, antigo que morava no outro blog, sentimento antigo, antigo, antigo que ainda mora no meu coração.)

Paz

Chuva torrencial lá fora. Que medo, aqui nunca chove assim. Chuva torrencial dentro de mim, tempestade que não cessa, relâmpago, trovão, dilúvio e desabamento. As encostas dos morros perto do meu coração ameaçam soterrar os sonhos que rodeiam o lugar. Já foi decretado estado de calamidade publica, as autoridades pedem pra ninguém sair de casa. Vou fazer uma cabana no meu quarto e ficar escondida até a chuva passar, espero que com ela vá embora meu medo e no fim do dia eu possa finalmente ver meu tão amado arco-íris. Ah, se essa tempestade que acontece dentro de mim fosse passageira, e um dia ela me deixasse viver uma vida de calmaria, aquela velha história da bonança. Mas comigo não é assim, e não adianta xingar, não adianta rezar, não adianta descobrir esse infinito que eu sou e que há em mim, eu preciso de uma recompensa urgente, só queria que viesse em forma de paz. Não adianta descobrir esses mistérios da vida se não consigo nem mesmo criar minha harmonia, ah eu quero paz. “ Ô meu senhor, tem paz de espírito em forma de comprimidos pra vender aqui na sua farmácia? Eu pagaria toda a minha fortuna miserável por eles, aceita cartão?” Porra, eu quero paz.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Sardas

Sou cheia de sardas. Se você procurar a descrição do que elas são, vai encontrar um resumo dizendo que são manchas causadas pelo aumento da melanina na pele e que existe uma tendência familiar as fazendo surgir principalmente em pessoas de pele clara e ruivas. A verdade é que sou uma sardenta típica. Quando criança era chamada de enferrujada, as pessoas perguntavam se eu tinha esquecido de me enxugar quando tinha saído do banho e coisas do tipo, quanto mais sardenta eu ficava mais odiava as sardas. Quando entrei na adolescência tentava esconder as sardas com maquiagem, tentava encobrir como se fossem cicatrizes de um acidente feio. Com os anos passei a receber elogios as minhas sardas. Os rapazes se utilizavam delas como meio de paquera, o que eu achava muito engraçado. Era todo tipo de cantada direcionada aos meus sinais. Um uma vez chegou a me dizer que minhas sardas era poeira de ouro agarrada a minha pele. Outro falou que as sardas dos meus ombros era como uma marca de cada dia da minha vida. Depois disso passei a enxergar minhas sardas com outros olhos, meus pontinhos dourados espalhados pelo corpo deixaram de ser perseguidos com maquiagem e cremes clareadores e foram assumidos assim como os centenários assumem suas rugas. Tentei buscar na minha memória os bons dias em que achava que cada uma das minhas sardas tinha nascido. Aquele dia de sol e vento em que tentei aprender a surfar, o mês que passei me bronzeando e jogando bola na casa de praia, ou até mesmo o verão em que passei no vestibular e transitava entre as praias e festas como um cardume de peixes que acompanha a correnteza. Descobri que minhas sardas faziam parte dos melhores momentos da minha vida e assim passei a assumi-las como marcas das melhores lembranças dos verões que já tive.



"Era fã de carteirinha dos desenhos na pele, a chance do mundo inteiro ser sardento – o sardento é um iluminado de nascença"
Fabrício Carpinejar.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A moça que passa

É dia claro... manhã de sol que insiste em se fortalecer atrás das nuvens, a moça desce os degraus que a separa da praia. A água lambe a areia, as crianças pequenas ainda mais diminuídas pela imensidão daquele mar também são banhadas, seus castelos -muralhas de areia- são destruídos e levados para o fundo do mar, e com eles sonhos de pequenos reis e rainhas.
Mas a moça apenas observa, parecendo alheia ao que se passa ao seu redor, como na poesia do velho Vinícius ela apenas passa. Ainda é cedo, na praia apenas crianças, babás e velhos caminham entre as belas pedras que guardam segredos dos anos -que também passam- a beira mar.
A moça caminha inatingível molhando os pés na água e pensando na complexidade da vida. Planeja, repensa, muda de idéia, a aflição de quem ainda não sabe tomar decisões predomina no seu coração.
Ela vai caminhando devagar, olhando aquela paisagem, esquecendo sua vida e agradecendo pelo dia estar tão bonito. Seus olhos refletem amor, ela teme fecha-los e com isso perder esse sentimento, ela desconhece que o amor se transforma, mas não passa.
De repente como se tomada de uma súbita decisão a moça para, olha ao redor, e resolve sentar, ela recua para onde a água não possa alcançá-la e senta-se, de repente como se pela primeira vez na vida ela visse e não apenas olhasse, ela repara.
Repara no velho que caminha só, e imagina que histórias ele pode ter vivido, seus grandes amores e suas dores, mas pra onde ele caminha? Vê uma mãe andando atrás do filho pequeno, aproximadamente uns dois anos, e enxerga que além dos sorrisos trocados entre os dois existe amor, confiança e toda a verdade que existe na relação mãe-filho, a criança alheia ao mundo ao seu redor apenas fecha os olhos e sente a mãe acariciar seus cachinhos. A moça pensa, e quando tiver meus filhos? E ri com essa possibilidade. Toda moça -seja ela a que passa ou não- pensa nessa possibilidade.
A moça reparara que todos caminham com determinação e parecem saber para onde vão e o que farão, enquanto ela -tremendo ao constatar- apenas passa. Essa idéia a faz perceber que sua vida ainda não é guiada por um objetivo, sente-se então “ovelha desgarrada”. Nenhumas das escolhas que fez em sua vida foram definitivas, tudo em sua vida passa. Ela resolve a partir deste momento se guiar sem julgamentos e pré-conceitos, resolve ser ela mesma sem mais ninguém interferindo, ela cansou de ser apenas a moça que passa.
A moça levanta-se e ao longe vê o rosto bonito de um rapaz desconhecido, caminha resoluta ao seu encontro. Os anos passam.

Primeiras letras

Gosto de escrever, as vezes acho que gosto mais de escrever do que de falar. De vez em quando tenho a impressão que o que escrevo é até bonito, mas talvez seja só uma impressão. No fim das contas escrevo pra mim mesma por uma necessidade tão básica como a de respirar. Meus pais contam que no meu primeiro dia de aula voltei para casa revoltada porque não tinha aprendido a ler, era importante para mim aprender a descobrir as palavras porque assim eu poderia escrevê-las e guardá-las como um tesouro só meu. Os anos passaram e agora acho importante compartilhar meus tesouros, nem sempre eles são bonitos ou simples, mas são meus. As palavras me fazem viajar a lugares lindos, me fazem enxergar um mundo mais bonito, no fim das contas elas me fazem sonhar.